quinta-feira, 10 de julho de 2014

Um dia após o dilúvio - Brasil e Alemanha

Um dia após o dilúvio
                             Jorge Elias Neto


“Ninguém segura a juventude do Brasil”...
Assim terminava uma das canções tocadas nas rádios, em tempos de ditadura militar, para enaltecer o escrete de 70 e amainar os ânimos dos brasileiros. Águas passadas... Época do então falado “Milagre econômico”. Sérgio Buarque de Hollanda ainda não tinha dito da morte do homem cordial, nem Chico, o nosso Chico, havia pedido  que o Pai afastasse o cálice com vinho tinto de sangue.
O Brasil já não é mais jovem, a pirâmide demográfica de ápice pontiagudo já não existe. Estamos mais velhos, o homem cordial já morreu e esboçamos uma certa indignação; mas insistimos no improviso e não investimos em educação e saúde como devíamos.
Águas passadas... Ontem, durante o jogo do Brasil, e eu estava LÁ, ouvia-se uma paródia do grito da torcida alemã: “Mil gols, mil gols, só Pelé, só Pelé...” Mais uma tentativa de se buscar uma música tema para a seleção. Faltou tanta criatividade que a copa acabou para nós e não se conseguiu uma música que representasse a seleção de 2014. Enaltecer Pelé, maravilha... Ironizar com o Maradona... Impossível evitar...  Mas, de súbito, veio a tempestade – e passou o sonho levado pelas águas.
Um alemão sexagenário, sentado ao meu lado, após os seis minutos fatídicos - a enxurrada de gols da equipe alemã -, me perguntou, tampando os olhos – expressando espanto – o que estava acontecendo com o Brasil. Não soube responder, eu precisava pensar, e o torcedor de plantão só me permitia o estarrecimento.
E já que futebol é crença, a torcida ensaiou um “eu acredito, eu acredito”. Mas foi se apagando a voz dos brasileiros no estádio, pois não se podia mais esperar o milagre.
Seca em São Paulo, enchente no Sul, dilúvio no Mineirão. Palmas para os alemães.
Embora a imprensa tenha buscado imagens dramáticas de torcedores chorando, o que mais observei foram brasileiros ignorando o jogo para ler ou enviar inúmeras mensagens irônicas e satíricas nos Smartphones. Matéria para os sociólogos de plantão ...
Hoje, quando me dirigia da derrota para Vitória, passei pelo viaduto que desmoronou em BH, cruzei com um belíssimo projeto de Oscar Niemeyer e me sentei no saguão do aeroporto para aguardar o voo. Em minha frente, as obras interrompidas no aeroporto de Cumbicas estavam cobertas por uma imensa bandeira do Brasil e por tapumes que traziam a figura de uma criança dizendo da esperança em nosso país.
Eis a imagem símbolo da Nação  utilizada para encobrir a falta de compromisso das autoridades. Mas ela já se mostrava sem propósito após a derrota da seleção. Muitos apostam que o brasileiro transfira sua crença incondicional na seleção para fora dos gramados.  Muitos apostam nisso. Sempre apostaram e apostarão.
Quando propus a música do Cazuza como tema da Copa ninguém me ouviu. Lá vai agora, quem sabe cole: “Brasil! Mostra sua cara, quero ver quem paga ...”
Sim, de cara à mostra, diante do espelho, o brasileiro deve  olhar-se e pensar. Pensar e acreditar. E acreditar dessa forma já não é ter apenas esperança. Acreditar deixa de ser uma atitude passiva. É assumir, e não transferir a responsabilidade - é crer na possibilidade de transformação.
E já que lembrei o Cazuza : “Nossa piscina está cheia de ratos, nossas ideias não correspondem aos fatos, o tempo não para ...”. E o tempo não parou após os 90 minutos dessa terça feira, 08 de julho de 2014.

Um comentário:

Andréia Farias disse...

Fiquei estarrecida ao ler isso. Realmente a música do Cazuza se encaixou bem nessa situação